Transporte Intestinal de Frutose e Sua Má Absorção nos Seres Humanos

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Introdução

Má absorção da frutose tem sido descrita cada vez mais frequentemente em determinadas situações clínicas, desde quando o teste do hidrogênio no ar expirado passou a ser empregado de forma universal, nos mais diversos centros médicos de investigação clínica. No número de fevereiro de 2011 do American Journal of Physiology of the Gastrointestinal and Liver Physiology apareceu um interessante artigo de revisão que aborda com riqueza de detalhes os principais aspectos da absorção e da má absorção da frutose em indivíduos sadios e naqueles portadores de determinadas transtornos clínicos que podem cursar com má absorção da frutose. Esta revisão trata do mecanismo de transporte da frutose pelo intestino delgado, particularmente como um causador potencial de queixa gastrointestinal devido à má absorção da frutose em seres humanos. Este artigo intitulado “Intestinal fructose transport and malabsorption in humans” escrito por Hilary F. Jones e cols., foi publicado no Am J Physiol Gastrointest Liver Physiol 300;g202-06, cujos principais tópicos abaixo transcrevo.

A frutose é um monossacarídeo que tem sido utilizada na dieta ocidental com crescente consumo, tanto como um adoçante adicional como na sua forma natural, principalmente em sucos de frutas. A frutose da dieta tem sido implicada na obesidade, na síndrome da resistência à insulina e má absorção de frutose, sendo que esta última tem sido associada à Síndrome do Intestino Irritável (SII), ao sobrecrescimento bacteriano no intestino delgado e à depressão.

Pacientes que sofrem de má absorção de frutose apresentam sintomas que incluem diarreia crônica e dor abdominal. A confirmação clínica deve incluir a história dietética, o teste do hidrogênio (TH) no ar expirado, e o alívio dos sintomas após a retirada da frutose da dieta do paciente. Para a realização do TH o paciente ingere uma solução aquosa de frutose e a quantidade de frutose que não é absorvida no intestino delgado alcança o intestino grosso, aonde ai é metabolizada pela microflora intestinal, resultando assim, na produção de hidrogênio. A detecção do hidrogênio, acima de um determinado nível crítico (>20ppm sobre o nível de jejum), em amostras respiratórias do paciente indica, portanto, má absorção deste carboidrato. O uso do TH para detectar má absorção de lactose está bem consolidado. A má absorção de um dissacarídeo, tal como o é a lactose, tem sido caracterizada por uma deficiência de uma enzima (lactase), que quebra a molécula deste dissacarídeo. Entretanto, como a frutose é um monossacarídeo, não requer a quebra enzimática e, portanto, sua absorção é majoritariamente dependente de um mecanismo de transporte.

Transporte da Frutose

A frutose é transportada através do epitélio intestinal por um mecanismo facilitador. Considerando-se o mecanismo convencional de transporte da frutose, esta é transportada através da membra apical do enterócito pelo GLUT5 transportador facilitador (Figura 1).

 

O GLUT5 é um transportador de frutose de baixa afinidade e elevada capacidade que parece ser específico para a frutose. Além disso, tem sido demonstrado que a frutose da dieta é responsável pela regulação da expressão do GLUT5 mRNA. O transporte da frutose através da membrana basolateral do enterócito se dá pelo transportador facilitador de hexose GLUT2. O GLUT2 é transportador facilitador para hexoses, tais como a glicose e a frutose, e que também opera com baixa afinidade e alta capacidade. A expressão GLUT2 mRNA tem sido demonstrada ser regulada por ambas, glicose e frutose. Entretanto, têm ocorrido dúvidas a respeito da distribuição destes transportadores GLUT, posto que se descobriu que o GLUT5 também está localizado na membrana basolateral do enterócito. Além disso, descobriu-se que o GLUT2 pode ser temporariamente produzido nas microvilosidades do enterócito em modelos animais. Estes fatos levantaram dúvidas a respeito da distribuição destes dois transportadores e contribuíram para uma polêmica a respeito de qual destes transportadores de açúcar desempenha maior papel na absorção da frutose.

Entretanto, uma série de investigações experimentais parece dar suporte ao GLUT5 como um papel primário responsável pela absorção da frutose.

Capacidade de Absorção e Diagnóstico

A absorção da frutose em seres humanos parece estar limitada a altas concentrações de frutose e este fato é consistente com a capacidade limitada de absorção do sistema de transporte facilitador. A proporção de indivíduos testados que revelaram má absorção à frutose por meio do TH foi demonstrada ser dependente da dose da frutose ingerida (Figura 2).

 

Funcionalmente, a má absorção de frutose poderia, portanto, surgir quando a ingestão dietética for maior do que a capacidade de absorção. Caso a má absorção de frutose venha ocorrer como resultado de um limiar de absorção reduzido, potencialmente correspondente a uma capacidade reduzida de transporte, não haverá quaisquer dúvidas diagnósticas para responder à presente má absorção. Ainda mais haverá entre pessoas sadias e naqueles malabsorvedores sintomáticos um grau de variação na capacidade absortiva da frutose, a qual estará diretamente relacionada com o consumo dietético da frutose. Para definir má absorção de frutose deve-se tomar como padrão um nível baixo de absorção da frutose, e, para isto requerer-se-ia que a dose do açúcar avaliada por meio do TH fosse tolerada pela maioria das pessoas sadias; a partir de estudos prévios este limiar parece ser de aproximadamente 15g de frutose (Figura 2).

O TH demonstra uma relação direta entre a dose de frutose e má absorção, e, além disso, demonstra que há uma dose limitada dependente da capacidade de absorção, a qual está presente mesmo em indivíduos sadios.

Efeito da Glicose sobre a Absorção da Frutose nos Seres Humanos

Tem sido demonstrado que a glicose aumenta de forma significativa o limiar da má absorção da frutose. O efeito favorecedor da glicose sobre a absorção da frutose pode ter sido reduzido na dieta da sociedade ocidental em virtude da diminuição do consumo da frutose sob a forma do dissacarídeo sacarose (glicose-frutose), e, por outro lado, tem ocorrido um concomitante aumento do consumo da frutose em sua forma isolada. O efeito positivo da glicose sobre o aumento da absorção da frutose levou os pesquisadores a formular uma hipótese inicial de que a frutose seria absorvida através de um sistema de transporte dependente da dissacaridase (sacarase), a qual transportaria simultaneamente glicose e frutose; entretanto, atualmente considera-se que a frutose é transportada por um mecanismo de difusão facilitada utilizando primariamente o transportador GLUT5; desta forma, pode-se desconsiderar o mecanismo de transporte simultâneo dependente da dissacaridase, para explicar o efeito da glicose sobre a absorção da frutose, o que levou os pesquisadores a proporem uma hipótese alternativa para explicar este efeito.

Atualmente, considera-se a hipótese de que o efeito positivo da glicose sobre a absorção da frutose é resultado de um movimento inespecífico da frutose através do epitélio intestinal por “solvent drag” ou difusão passiva. Isto posto, quando aminoácidos contendo frutose foram oferecidos a crianças sadias houve uma redução da produção de hidrogênio pelo teste do hidrogênio (TH) no ar expirado, em uma mesma proporção do que aquela em que a glicose foi oferecida juntamente com frutose. Por esta razão, foi levantada a hipótese de que o transporte ativo de glicose poderia resultar em um fluxo hídrico induzido pela glicose através da mucosa intestinal, causando, assim, um aumento do “solvent drag” e difusão passiva da frutose. Pesquisas recentes têm demonstrado que GLUT2 pode transportar glicose e frutose, e como este transportador é dependente da presença de glicose, ele passa a ser um potencial candidato responsável pelo aumento do transporte da frutose na presença de glicose.

Regulação do Desenvolvimento

A absorção da frutose pode ser altamente dependente da idade e uma redução significativa da absorção da frutose tem sido descrita em lactentes e pré-escolares. A evidência para esta absorção significativamente menor em lactentes que consomem sucos de frutas tem sido caracterizada pela excreção de altos níveis de hidrogênio no ar expirado, porém nem sempre esta má absorção está acompanhada de intolerância. Em condições naturais os mamíferos devem receber prioritariamente leite antes do desmame, o qual contém os açúcares glicose e galactose, que são transportados pelo SGLT1 e GLUT2.  Portanto, tudo indica que mamíferos não são capazes de transportar frutose até um determinado período da vida, quando naturalmente as quantidades deste carboidrato aumentariam em suas dietas, e a expressão do GLUT5 tem sido demonstrada apresentar uma regulação acompanhada do crescimento do respectivo mamífero. Tem sido demonstrado em ratos recém-nascidos que a expressão GLUT5 encontra-se em baixos níveis durante os estágios da amamentação (0-14 dias de idade) e o desmame (14-28 dias de idade), porém apresentando um aumento considerável depois dos 28 dias de vida.  Concomitantemente, verificou-se que a expressão e a atividade do GLUT5 aumentaram a partir dos 14 dias de idade, após a introdução de frutose na dieta.

A expressão do GLUT5 em seres humanos foi estudada comparando-se o intestino delgado entre fetos e adultos, e verificou-se a existência de níveis mais baixos da expressão do GLUT5 mRNA nas amostras fetais em comparação com os adultos. Estas diferenças não foram observadas para o GLUT2 e para o transportador ativo de glicose SGLT1. Estes dados sugerem que a expressão do GLUT5 mRNA apresenta uma regulação ao longo do desenvolvimento do ser humano.

Conclusões

Avanços significativos foram alcançados na compreensão do transporte intestinal da frutose, mas ainda não está totalmente esclarecida a relação com o problema gastrointestinal da má absorção da frutose. Tudo indica que lactentes e pré-escolares possuem uma capacidade reduzida de absorver frutose, particularmente mesmo com a ingestão de pequenas quantidades de sucos de frutas contendo altas concentrações de frutose. Uma melhor compreensão do papel dos transportadores da frutose nos seres humanos apresenta uma importância crucial para que possa estabelecer de forma mais aprofundada, o mecanismo básico da má absorção da frutose.

Meus Comentários

Nestes últimos tempos tem sido dada uma maior e merecida importância à má absorção seguida de intolerância à frutose, e suas respectivas manifestações clínicas, a saber: distensão abdominal, flatulência, cólicas e diarreia. Estes transtornos clínicos têm sido principalmente observados em lactentes e pré-escolares que consomem quantidades significativas de suco de frutas, cujas frutas apresentam em sua composição uma maior concentração de frutose em relação à glicose, tais como, a maçã e a uva. Em alguns casos de pacientes portadores da Síndrome do Intestino Irritável este fenômeno também tem sido descrito. Como a absorção da frutose, pelo que se conhece até o presente momento, é dependente do transporte ativo de glicose, quando há um excesso de frutose em relação à glicose em uma determinada fruta a absorção de frutose não se dá de forma completa. A frutose não absorvida, ao permanecer na luz intestinal, irá provocar um efeito osmótico atraindo água para o lúmen intestinal e, esta solução, ao chegar ao cólon será fermentada pela microbiota colônica gerando a produção de ácidos de cadeia pequena e média que serão absorvidos e eliminados pelo ar expirado sob a forma de hidrogênio. Por este motivo a realização do teste do hidrogênio no ar expirado representa o método mais confiável para caracterizar este tipo de manifestação clínica da má absorção e/ou intolerância à frutose.