A posição da Latin American Society of Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition (LASPGHAN) em relação a guia de conduta da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre a alimentação complementar para lactentes e crianças de 6-23 meses de idade.
Prof. Dr. Ulysses Fagundes Neto
A renomada revista JPGN publicou um artigo, em 2025, intitulado “Latin American Society of Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition’s position on the World Health Organization guideline for complementary feeding of infants and young children 6-23 months of age”, de Spolidoro JVN e cols., que abaixo passo a transcrever em seus principais aspectos.
Nos primórdios de 2023 a LASPGHAN publicou o consenso sobre alimentação complementar intitulado “COCO” com a participação dos membros da América Latina e da Península Ibérica. Posteriormente, no mesmo ano a OMS liberou a sua guia para alimentação complementar em lactentes e crianças com idades entre 6-23 meses. Considerando esses dois documentos científicos, há muitos pontos de convergência e alguns de óbvias divergências. A LASPGHAN deseja clarificar sua posição em relação ao documento da OMS.
Há uma significativa concordância entre as duas publicações no que diz respeito à recomendação do aleitamento materno exclusivo até os seis meses de idade e o início da alimentação complementar a partir desta idade. Entretanto, a guia de conduta da OMS afirma que “alguns lactentes” poderiam se beneficiar da introdução mais precoce de alimentos complementares, ou seja, antes dos 6 meses de idade. Nós sugerimos que clínicos e pesquisadores devam identificar a quais grupos específicos de lactentes esta proposta pode ser aplicada. Ambos os documentos concordam a respeito da necessidade de evitar alimentos ultraprocessados e enfatizam a importância da prática de uma alimentação responsável.
O guia de conduta da OMS de 2023 recomenda o uso de leite animal integral para lactentes desde os 6 meses em diante, o que frontalmente conflita com o consenso da LASPGHAN. O guia de conduta da OMS não considera a plena evidência que dá suporte aos benefícios dos oligossacarídeos do leite humano e da DHA-ARA, presentes no leite humano e nas fórmulas infantis – ambos os quais estão ausentes no leite de vaca integral.
Torna-se importante considerar que de 6 a 11 meses e de 12 a 23 meses de idade, o leite permanece como um componente vital da dieta dos lactentes, contribuindo significativamente para suprir as necessidades dos macros e dos micronutrientes, que são críticos para um desenvolvimento saudável. Este papel não pode ser subestimado.
A recomendação da OMS para uso de leite animal baseia-se em uma recente revisão sistemática e metanálise; entretanto, a maioria dos desfechos avaliados foram de baixa ou muito baixa certeza de evidência.
Substitutos apropriados para o leite humano durante o período de alimentação completar incluem fórmulas infantis baseadas em leite de vaca. Baseando-se em estudos científicos a LASPGHAN afirma que fornecendo estes componentes beneficiam significativamente o desenvolvimento do lactente, porque são mais proximamente alinhados com as vantagens do leite humano em comparação com a alimentação baseada no leite de vaca integral. O leite de vaca, que é o leite animal mais comumente utilizado, contém mais do que o dobro da concentração proteica daquela encontrada no leite humano, e, tem uma relação caseína-soro de 80/20, comparada com 30/70 do leite humano. A concentração mais alta de caseína aumenta o suprimento de aminoácidos de cadeia ramificada e insulinogênicas, os quais se correlacionam com um aumento da resistência à insulina e uma excessiva estimulação da insulina e do fator 1 de crescimento insulina-like (IGF-1). Este processo pode reduzir a saciedade e promover adipogênese.
Além disso, o soro primário da proteína do leite de vaca é a beta-lactoglobulina que não está presente no leite humano. Por outro lado, o soro da proteína primaria do leite humano é a alfa-lactoalbumina, que aporta níveis mais elevados dos aminoácidos essenciais e que requer uma menor taxa de ingestão proteica, reduzindo desta forma o risco de sobrepeso e obesidade.
A recomendação do uso de leite de vaca integral para os lactentes é também preocupante em virtude dos níveis 3 vezes maiores de sódio em relação ao encontrado no leite humano. Além disso, o leite de vaca possui maior osmolaridade do que o leite humano, o que coloca um desafio para o metabolismo do lactente; osmolaridade inapropriada pode prejudicar a absorção de nutrientes e a função renal.
Outro ponto de desacordo diz respeito à recomendação da OMS contra a utilização de fórmulas baseadas em leite de vaca para lactentes com um ano ou mais. Crianças saudáveis nesta idade da vida frequentemente desenvolvem neofobia alimentar e seletividade aos alimentos, um fenômeno particularmente prevalente nos países latino-americanos. É importante assinalar que há uma ampla evidência cientifica que dá suporte ao uso dessas fórmulas como uma alterativa viável ao leite de vaca.
Em resumo, a LASPGHAN mantém seu compromisso com a promoção do aleitamento natural exclusivo durante os primeiros 6 meses de vida. Nos advogamos a introdução de alimentos complementares aos 6 meses, enfatizando a diversidade dietética com alimentos culturalmente apropriados e incluindo opções fortificadas quando necessárias, sempre no escopo de práticas alimentares responsáveis.
Referências bibliográficas
- Spolidoro JVN e cols. – JPGN 2025;1-3
- Vasques-Frias R e cols. – Rev Gastroenterol Mex 2023;88:57-70
- Erlich JM e cols. – Nutrients 2022;14:488
- Ladino L e cols. – Nutrients 2021;13:3942
