1.1- As minhas origens

Nasci Ulysses Fagundes Neto, em São Paulo, em 16 de Setembro de 1944; naquela época a segunda guerra mundial, apesar de estar nos seus estertores, ainda estava ocorrendo em terras europeias. Meu pai, Ulysses Fagundes Filho, era advogado, mas como na sua juventude, enquanto estudante universitário, havia realizado o Curso Preparatório dos Oficiais da Reserva (CPOR), à época uma forma de cumprir a conscrição do exército brasileiro, tornou-se oficial da reserva. Por esta razão ele foi convocado e passou a servir em uma guarnição do exército sediada em Pirassununga, para se preparar para uma possível ida para o front da guerra; consequentemente foi lá que eu vivi meu primeiro ano de vida (Figuras 1-2).

Figura 1- Meu pai e eu em Pirassununga

Figura 1- Meu pai e eu em Pirassununga

Figura 2- Minha mãe e eu em Pirassununga.

Figura 2- Minha mãe e eu em Pirassununga.

Figura 3- A casa dos meus avós de 1927 antes de ser restaurada.

Figura 3- A casa dos meus avós de 1927 antes de ser restaurada.

Porém, antes de seguirmos adiante e viajarmos para Pirassununga, vale a pena voltar um pouco no tempo, ao momento do meu nascimento. Na realidade nasci na Vila Mariana, na casa do meu avô paterno, bem em frente ao Instituto Biológico. Essa casa é muito, muito antiga, foi construída em 1927, pelos arquitetos italianos Rossi, eram 2 irmãos que trabalhavam no escritório do famoso engenheiro Ramos de Azevedo (Figura 3).

Esta casa sempre despertou em mim uma profunda relação afetiva com minhas raízes familiares paulistanas e ao longo da minha existência nela morei por cinco vezes, em diferentes épocas da minha vida.  Esta ligação tem uma clara razão de ser, pois sempre fui muito apegado a esse avô paterno que se chamava Ulysses Bayerlein Fagundes. Mas como a Alemanha deflagrou a segunda guerra mundial e como ele não concordava com o nazismo retirou o seu sobrenome alemão, passou a assinar apenas Ulysses Fagundes (Figura 4). Minha última passagem pela casa foi a mais longa, pois voltei a ela em março de 1993, após ter realizado uma profunda reforma geral, bem como ter restaurado os afrescos das paredes dos cômodos internos. Todo este processo durou exatamente 1 ano, de março de 1992 a março de 1993 (Figuras 4-5-6).

Figuras 4-5-6 - A casa dos meus avós após ser reformada.

Figuras 4-5-6 – A casa dos meus avós após ser reformada.

Desta vez nela morei até setembro de 2008.

Meu avô Ulysses casou-se com minha avó, Juventina de Souza, ambos tiveram dois filhos, meu pai, Ulysses Fagundes Filho e minha tia, Yvonne de Souza Fagundes. Meu pai casou-se com minha mãe, Walkyria da Cunha Lobo, e tiveram 2 filhos, eu e minha irmã, Tânia. Minha tia que era mais velha casou-se com Américo Marco Antonio, tiveram três filhos, Américo, Ruy e Cláudio. Todos nós 5 temos idades muito próximas, estou situado no meio, sou o terceiro e carrego o nome do meu avô, uma grande responsabilidade (Figura 7-8-9-10).

Figura 7- Meus avós paternos Juventina e Ulysses.

Figura 7- Meus avós paternos Juventina e Ulysses.

Figura 8- Meus avós paternos e seus filhos Yvonne e Ulysses

Figura 8- Meus avós paternos e seus filhos Yvonne e Ulysses

Figura 9- Meus avós, meus primos, minha irmã e eu em férias em Santos.

Figura 9- Meus avós, meus primos, minha irmã e eu em férias em Santos.

Figura 10- Meus avós, meus primos, minha irmã e eu alguns anos mais tarde.

Figura 10- Meus avós, meus primos, minha irmã e eu alguns anos mais tarde.

Meus avós tinham uma grande afeição pela família, por isso vivíamos praticamente no mesmo quarteirão aonde nós cinco fomos criados na Vila Mariana, era uma relação muito íntima.

Meu avô é de 1887, eu até brincava com ele dizendo que ele era tão antigo que havia nascido antes da abolição da escravatura, porém, era seguramente uma pessoa 50 anos à frente do seu tempo. Ele se formou médico em 1913, no Rio de Janeiro, pois naquela época ainda não havia nenhuma Faculdade de Medicina no estado de São Paulo (a Faculdade de Medicina da USP foi fundada em 1913). Devido a este antecedente, desde que nasci, ficou praticamente decidido que quando crescesse seria médico, juntamente com Ruy, o filho do meio da minha tia. Esta foi uma decisão familiar e como meu avô exercia uma grande influência, tinha um enorme carisma, era amado por todos, ninguém se contrapôs a essa ideia. Por esta razão, desde pequeno eu acompanhava meu avô em suas idas ao Hospital Matarazzo, ele sempre tinha alguns pacientes internados lá, tinha gosto pela atividade que exercia. Ele era uma figura muito popular, e como morávamos em frente ao Biológico, mesmo após ter se aposentado, ele atendia todos os funcionários que trabalhavam no Biológico quando necessitavam algum tipo de atenção, fosse médica ou mesmo conselhos para a vida. Lembro-me bem que o portão da rua da sua casa ficava sempre aberto, da mesma forma que a porta principal da entrada. Minha mãe era funcionária pública, formou-se em Contabilidade, trabalhava no Biológico, portanto, tínhamos uma grande convivência com todo o pessoal que lá trabalhava, era só atravessar a rua. Naquele tempo o Biológico não era cercado por grades, passei praticamente minha infância lá dentro, pois conhecíamos todo mundo, era uma vida de total segurança até mesmo ingênua se comparada aos dias atuais.

Na minha infância também tentaram me fazer pianista, durante muito tempo estudei piano, mas não saía da escala, não tinha talento nenhum. Mas, para agradar a família ia religiosamente à aula, a professora morava perto de casa, ia lá, tocava a escala, realmente não tinha talento para isso, até que finalmente desisti de ser pianista. Também estudei inglês, esse com mais eficácia, meu pai, já nos idos de 1950, achava importante falar um outro idioma, tornei-me fluente o que muito me ajudou na vida profissional.

Na escola já era atraído por matérias ligadas à Medicina, afinal, já estava decidido que seria esse o meu caminho, a bem da verdade gostava e tinha vocação para tal. Creio que também foi uma transmissão de algum gene que me trouxe para essa atividade, tanto que fui muito bom aluno em Física, Biologia, Química Orgânica e Inorgânica, coisas que domino até hoje em minha atividade como médico. Não era bom aluno em Matemática, mas sim em Português.

1.2- Educação e Formação

Como minha mãe tinha uma profissão e trabalhava em tempo integral fui para a escola muito cedo para aquela época, aos 3 anos de idade (Figura 11).

Figura 11.

Figura 11.

Estudei do jardim de infância até o fim do primário no Liceu Pasteur, depois fui para o Colégio Bandeirantes fazer os cursos ginasial e científico.

A minha educação teve um misto de tradicional e muito popular, porque meu avô era um humanista, desprovido de vaidades e preconceitos. Tenho comigo a tese dele de conclusão de curso, foi apresentada em 1914, na qual ele faz uma dedicatória à sociedade humanitária e ao humanismo (Figuras 12- 13-14-15).

Figuras 12- 13-14-15.

Figuras 12- 13-14-15

Todos nós fomos criados com esse espírito, o humanismo, o que para mim sempre foi um grande valor nas atitudes, nas relações pessoais e como princípio de vida.

Mas, além dos valores humanísticos transmitidos por meu avô, minhas raízes com o povo são decorrentes do futebol, porque o futebol sempre foi minha maior paixão. Fui jogador de futebol desde muito pequeno, inicialmente no fundo do quintal da nossa casa (Figura 16) e também na rua, porque naquela época, nos idos dos 1950, ainda era possível brincar na rua, pois havia muito pouco movimento de carros.

Figura 16- Nosso time de futebol no fundo do quintal da minha casa. Em pé da esquerda para a direita: Jairo, Ruy e William. Agachados da esquerda para a direita: Silvio, eu, Cláudio e Tânia como nosso cachorro Totó.

Figura 16- Nosso time de futebol no fundo do quintal da minha casa. Em pé da esquerda para a direita: Jairo, Ruy e William. Agachados da esquerda para a direita: Silvio, eu, Cláudio e Tânia como nosso cachorro Totó.

Figura 17- Vô Lobo comigo no colo ainda nenê.

Figura 17- Vô Lobo comigo no colo ainda nenê.

Além disso, organizamos também um time aqui da nossa vizinhança e íamos jogar no Parque Ibirapuera, pois naqueles tempos existiam inúmeros campos de várzea na área onde hoje se situa o clube Círculo Militar. Marcávamos encontros com meninos de outras vizinhanças e para lá íamos geralmente nos fins de tarde, na volta do colégio, disputar umas peladas, era muito divertido, mas às vezes os jogos terminavam em pancadaria, porém, sem maiores consequências, pois havia sempre os apaziguadores, a turma do “deixa disso”. Enfim, esta infância foi muito semelhante a aquela que o famoso escritor uruguaio Eduardo Galeano, reconhecido internacionalmente, entre outros, pelo livro “Las venas abiertas de Latino América”, também um apaixonado pelo futebol, descreve no prefácio de um dos seus livros. Enquanto estava sentado em seu escritório escrevendo, em quase todos os fins dos dias, costumava escutar uma espécie de canto vindo da rua entoado por um grupo de meninos que vinham de uma partida de futebol e assim diziam em coro:”ganamos, perdímos, igual nos divertímos”.

Na verdade, meu primeiro professor de futebol foi meu avô materno, Valdomiro da Cunha Lobo, o vô Lobo, o homem mais bravo que conheci em toda minha vida, porém com os netos sempre foi muito carinhoso, era muito grande e forte (Figura 17), foi ele quem me ensinou a jogar desde pequeno.

Ele tinha uma chácara no caminho de Guarapiranga, em frente à sua chácara havia um campo de futebol, foi lá que aprendi a fazer o que mais gostava na vida, jogar bola. Ficávamos horas treinando chutes a gol, ele insistia que tinha que ser com os dois pés, do jeito que a bola vinha, também me ensinava fundamentos, como controlar a bola, o domínio e o passe.

Ele havia sido um grande jogador de futebol, ele era de Santo Amaro, vô Lobo era considerado o melhor “center half” de Santo Amaro de todos os tempos.  Aliás toda a família da minha mãe também era tradicional em Santo Amaro, na época Santo Amaro era praticamente um município com vida própria tipicamente do interior, os santamarenses eram conhecidos como os “botinas amarelas”.

Figura 18- Time juvenil do Banespa em 1960, sou o número 10.

Figura 18- Time juvenil do Banespa em 1960, sou o número 10.

Figura 19- Meus pais no Banespa comigo no colo da minha mãe.

Figura 19- Meus pais no Banespa comigo no colo da minha mãe.

O meu primeiro time oficial foi o juvenil do Banespa, onde verdadeiramente comecei minha carreira de jogador de futebol (Figura 18).

Como meus pais haviam se conhecido no Banespa e continuaram a frequentar o clube regularmente depois de casados (Figura 19), desde criança eu os acompanhava e assim fui ensinado a também frequentar o clube.

Desta forma, na adolescência minha vida social e esportiva passou a ser no clube. Voltava da escola, almoçava e tomava o bonde que passava em frente ao Biológico, ia para o Banespa e por lá ficava treinando futebol e voleibol até tarde da noite; quando os treinos terminavam tomava o bonde de volta para casa.

Esta minha passagem pelo time juvenil do Banespa foi muito rápida, pois como eu havia me destacado bastante como centro-avante, fazia muitos gols, quando tinha 17 anos, fui convidado a jogar no time principal do Banespa, e logo na minha estreia fiz cinco gols. A partir deste dia passei definitivamente a fazer parte do time principal que jogava aos domingos pela manhã. Naquela ocasião como o clube Banespa pertencia ao Banco do Estado de São Paulo todos os funcionários do banco eram automaticamente sócios do clube e como muitos ex-jogadores de futebol tornavam-se funcionários do banco, o time principal do Banespa era recheado de grandes ex-jogadores. Por esta razão tive a oportunidade de conviver, jogar e aprender com estes profissionais que tanto haviam se destacado nos principais times da nossa cidade, tais como, Canhoteiro, Maurinho e Turcão (São Paulo), Homero (Corinthians), Pinga (Portuguesa) etc. Um outro jogador tão jovem quanto eu, também surgiu nesta época, com ele joguei um bom tempo, até que ele se profissionalizou e inclusive veio a se tornar campeão do mundo em 1970 no México, tratava-se nada menos do que o nosso extraordinário craque Rivellino (Figura 20).

Este meu sucesso no time principal do Banespa me levou a ser convidado a jogar no São Paulo, mas meu pai fez um complô; ele não permitiu que eu me tornasse profissional. Tudo porque ele não queria que eu fosse jogador de futebol, queria que a minha atividade futebolística fosse apenas em nível amador, meu destino já estava traçado desde o nascimento, tinha que ser médico. Lá em Santo Amaro joguei num time de futebol que disputou a terceira divisão, a segunda divisão, ganhamos as duas, porém quando chegamos à primeira divisão, em virtude dos estudos, não pude continuar jogando.

Também joguei, já como estudante de medicina, por uma fábrica em Mauá, ganhava uns trocados para o fim–de–semana; joguei na várzea, em vários lugares, o futebol foi minha vida. A prática do futebol não atrapalhava os estudos, gostava tanto de jogar que na verdade o estudo atrapalhava o futebol. Algumas vezes era obrigado a estudar mais do que queria. Aliás o esporte sempre foi parte importante na nossa família. Meu avô paterno foi campeão carioca pelo América, em 1911, quando morava no Rio de Janeiro estudando medicina. Meu pai, embora não tivesse sido um grande campeão era poliatleta. Minha mãe foi uma extraordinária tenista, chegou a ser campeã brasileira no início da década de 1940. Nossa casa era repleta de taças que ela havia vencido ao longo de sua carreira. Minha irmã também gostava muito de esportes, jogava vôlei e foi até campeã pan–americana em 1963, aqui em São Paulo. Sempre joguei vôlei, futebol de salão e futebol; lá no Banespa tínhamos o time de futebol, que disputava o campeonato bancário, o time de futebol de salão juvenil jogava o campeonato paulista, fomos campeões paulistas (Figura 21), e também o time de vôlei.

Fui duas vezes para a seleção paulista de vôlei (Figura 22), na universidade fui campeão brasileiro universitário de vôlei, pela Federação Universitária Paulista de Esportes (FUPE).

Figura 20- Um dos times em que joguei juntamente com Rivellino. Estou no centro da foto agachado entre os irmãos Rivellino, Abílio à esquerda e Roberto à direita (com a bola).

Figura 20- Um dos times em que joguei juntamente com Rivellino. Estou no centro da foto agachado entre os irmãos Rivellino, Abílio à esquerda e Roberto à direita (com a bola).

Figura 21- Time de futebol de salão do Banespa, campeão paulista juvenil de 1961. Em pé da esquerda para a direita: Eu, Eduardo e José Carlos. Agachados: Pereira e Rosenval.

Figura 21- Time de futebol de salão do Banespa, campeão paulista juvenil de 1961. Em pé da esquerda para a direita: Eu, Eduardo e José Carlos. Agachados: Pereira e Rosenval.

Figura 22- Time da seleção paulista juvenil de voleibol que disputou o campeonato brasileiro de 1962. Estou em pé com a bola na mão.

Figura 22- Time da seleção paulista juvenil de voleibol que disputou o campeonato brasileiro de 1962. Estou em pé com a bola na mão.