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13.1- O Projeto e a Elaboração da Tese de Doutorado

Figura 1- Prof. Baruzzi e eu no trabalho preliminar de identificação das crianças para serem incluídas no projeto de pesquisa.

Figura 1- Prof. Baruzzi e eu no trabalho preliminar de identificação das crianças para serem incluídas no projeto de pesquisa.

Figura 2- Prof. Baruzzi e eu ao fim da identificação das crianças a serem incluídas no trabalho, tendo ao fundo o rio Tuatuari, afluente do rio Xingu, que banha o Posto Leonardo.

Figura 2- Prof. Baruzzi e eu ao fim da identificação das crianças a serem incluídas no trabalho, tendo ao fundo o rio Tuatuari, afluente do rio Xingu, que banha o Posto Leonardo.

Figura 3- Prof. Baruzzi fazendo o trabalho de identificação fotográfica de uma criança índia.

Figura 3- Prof. Baruzzi fazendo o trabalho de identificação fotográfica de uma criança índia.

Figura 4- Ficha de identificação das crianças já na aldeia durante o trabalho de campo.

Figura 4- Ficha de identificação das crianças já na aldeia durante o trabalho de campo.

Figura 5- Vista aérea do trabalho de campo.

Figura 5- Vista aérea do trabalho de campo.

Levando em consideração as percepções do bem estar de saúde das crianças índias na primeira visita ao PIX, em dezembro de 1970, as quais foram reafirmadas nas visitas posteriores nos anos de 1971 e 1972, sob a orientação do Roberto Baruzzi, decidimos elaborar um projeto de pesquisa para avaliar de forma objetiva, utilizando métodos antropométricos cientificamente comprovados, o estado nutricional das crianças índias habitantes da região do Alto Xingu. Entretanto, naquela ocasião deparávamos com um obstáculo que à primeira vista parecia potencialmente intransponível, qual fosse não dispor das idades das crianças, pois os índios não utilizam calendário, portanto, tampouco têm o hábito de registrar a data de nascimento dos seus filhos. Naqueles tempos primordiais das atividades assistenciais da EPM, que se iniciaram em 1965, devido às dificuldades de comunicação entre nossa cultura e a da população indígena, não havia sido criada ainda uma ficha de identificação suficientemente confiável para que pudesse ser adotada na realização de um trabalho científico. A execução deste projeto de pesquisa revelou de forma cabal e definitiva a importância de ser elaborado um controle de identificação rigoroso da população do PIX, o que, diga-se de passagem, de há muito tempo passou a ser feito com a devida acurácia. Portanto, este projeto de pesquisa não somente teve um cunho científico como também despertou a atenção para necessidade de se realizar um inventário demográfico da população do PIX (Figuras 1–2–3-4-5).

O fato que se apresentava era a possibilidade de se realizar um projeto de avaliação do estado nutricional de uma população nativa, vivendo praticamente nas mesmas condições que aquela verificada por ocasião do descobrimento do Brasil, em suma uma oportunidade absolutamente original. Aliás, vale ressaltar que, embora de forma meramente visual, este tipo de avaliação já havia sido feito por alguém que não era médico e sim escriba da expedição de Pedro Álvares Cabral. Trata-se de Pero Vaz Caminha que, em minha opinião, revelou-se ser o primeiro Nutrólogo de língua portuguesa que se tem notícia. Este fato ficou atestado em sua carta endereçada ao rei de Portugal, Dom Manoel “O Venturoso”, imediatamente após aqui desembarcar, conforme a transcrição que no quadro abaixo se pode ler:

Suas impressões a respeito do estado nutricional dos nativos brasileiros também foram por mim confirmadas desde meus primeiros contatos com os índios do Alto Xingu (Figuras 6- 7-8-9-10-11-12).

Figura 6- Índios Camaiura em momento de festa na aldeia.

Figura 6- Índios Camaiura em momento de festa na aldeia.

Figura 7- Tradicional luta do "uca-uca" durante festa do Kuarup. Notar a excelente forma física dos índios.

Figura 7- Tradicional luta do “uca-uca” durante festa do Kuarup. Notar a excelente forma física dos índios.

Figura 8- Dança tribal na festa do "Jawari", onde toda a aldeia participa ativamente.

Figura 8- Dança tribal na festa do “Jawari”, onde toda a aldeia participa ativamente.

Figura 9- Festa do "jawari" momentos antes do início das disputas com flechas. Ao centro o chefe Camaiurá, Tacuman, o pajé de maior prestigio no Alto Xingu, com quem compartilhávamos os tratamentos médicos e de quem me tornei um grande amigo.

Figura 9- Festa do “jawari” momentos antes do início das disputas com flechas. Ao centro o chefe Camaiurá, Tacuman, o pajé de maior prestigio no Alto Xingu, com quem compartilhávamos os tratamentos médicos e de quem me tornei um grande amigo.

Figura 10- Prof. Baruzzi, Tacuman e eu na lagoa do Ipavu que banha a aldeia Camaiura.

Figura 10- Prof. Baruzzi, Tacuman e eu na lagoa do Ipavu que banha a aldeia Camaiura.

Figura 12- Lactente sorvendo o leite materno e excelente estado nutricional.

Figura 12- Lactente sorvendo o leite materno e excelente estado nutricional.

Figura 11- Festa tribal em que se pode observar o excelente estado físico dos índios.

Figura 11- Festa tribal em que se pode observar o excelente estado físico dos índios.

Entretanto, do ponto de vista científico apenas a impressão subjetiva de eutrofia não era aceitável, impunha-se uma investigação que preenchesse as exigências da ciência, porém, conforme anteriormente referido, não dispúnhamos do conhecimento da idade das crianças. Fui, então, em busca de auxílio entre os Nutrólogos, experts em matéria de avaliação do estado nutricional de populações, mas essa busca de ajuda resultou inútil, visto que todos os profissionais consultados apenas conheciam métodos antropométricos dependentes da idade exata. Diante deste dilema decidi fazer uma extensa pesquisa bibliográfica na esperança de encontrar uma solução para este impasse. Felizmente, após muito pesquisar encontrei uma série enorme de publicações, principalmente em populações africanas, que deparavam com os mesmos problemas por nós encontrados, e que, para contorná-los, adotavam métodos independentes da idade exata ou mesmo independentes da idade.

Basicamente, o primeiro tipo refere-se àquelas medidas que não necessitam do conhecimento exato da idade, relativamente ao mês ou semana, mas requerem uma classificação aproximada da idade, especialmente das crianças que se encontram dentro dos 2 primeiros anos de vida. Estas medidas se baseiam na avaliação de uma variável antropométrica que apresenta alteração gradual a cada ano de idade, ou então relações corpóreas que se alteram com o decorrer dos anos.

Por outro lado, as medidas independentes da idade baseiam-se essencialmente em estabelecer relações entre um tecido nutricionalmente lábil e uma estrutura orgânica sobre a qual a desnutrição proteico-calórica possui efeito menos contundente, ou seja, são realizadas comparações entre medidas que se afetam pelas influências do meio ambiente, em particular a nutrição, com medidas que se encontram sob controle genético. Na prática, a adequação peso-estatura é o melhor indicador para a avaliação do estado nutricional, porém esta relação ao ignorar a idade da criança permite avaliar o estado nutricional atual do indivíduo, ou seja, se existe naquele momento uma adequação do peso em relação à estatura, mas não permite afirmar uma possível existência de desnutrição no passado. Em outras palavras, pode-se verificar a existência de uma adequação atual do peso em relação à estatura, mas não possibilita a análise retrospectiva do estado nutricional do indivíduo, isto é, torna impossível saber se sua estatura está adequada à idade cronológica. Portanto, não permite descartar a ocorrência de nanismo nutricional.

O conhecimento da idade exata da criança permite estabelecer a diferenciação entre desnutrição aguda (peso inferior ao esperado para a idade e estatura adequada para a idade) e desnutrição pregressa, de longa duração (peso adequado à estatura, porém ambas as medidas inferiores á normalidade para a idade), ainda mais, reconhecer a existência da associação de desnutrição atual com pregressa. Para poder contornar a possível ocorrência deste viés decidimos realizar a avaliação do estado nutricional das crianças durante 3 anos consecutivos, sempre na mesma época do ano (julho), para evitar possíveis influências sazonais sobre a variável a ser investigada.

13.2- O Trabalho de Campo e seus Objetivos

Diante das peculiaridades da população do Alto Xingu, posto que seus habitantes aí vivem nas condições mais próximas possíveis daquelas vigentes na época do Descobrimento, foi elaborado um projeto de pesquisa com os seguintes objetivos:

 1- Avaliar o estado nutricional das crianças índias; 2- Determinação do Hematócrito e 3- Prevalência de parasitoses intestinais.

13.3- Casuística

O trabalho de campo desenvolveu-se sempre na primeira quinzena do mês de julho durante três anos consecutivos, a saber: 1974-75-76. A época do ano foi fixada no mês de julho porque as condições climáticas nesta época do ano são bastante favoráveis à execução do projeto de pesquisa. O período de seca, que já se faz prolongado, o que costuma ocorrer desde o mês de março com o fim do período das chuvas, facilita a mobilidade no interior do PIX, tanto no que se refere ao deslocamento dos índios desde suas aldeias até o Posto Leonardo, como do próprio grupo médico em direção às aldeias. Nestas circunstâncias, o acesso às aldeias utilizando-se os meios de transporte disponíveis na região, seja o terrestre ou fluvial, encontram-se bastante favorecidos (Figuras 1-2-3-4-5-6-7-8-9-10).

Figura 1a- Equipe médica se deslocando de barco no rio Xingu para trabalhar numa aldeia indígena. No primeiro plano estou eu, ao meu lado Prof. Mauro Morais, na ocasião ainda estudante de medicina, e mais atrás Prof. Baruzzi.

Figura 1a- Equipe médica se deslocando de barco no rio Xingu para trabalhar numa aldeia indígena. No primeiro plano estou eu, ao meu lado Prof. Mauro Morais, na ocasião ainda estudante de medicina, e mais atrás Prof. Baruzzi.

Figura 1b- Equipe médica se deslocando de barco no rio Xingu para trabalhar numa aldeia indígena. No primeiro plano estou eu, ao meu lado Prof. Mauro Morais, na ocasião ainda estudante de medicina, e mais atrás Prof. Baruzzi.

Figura 1b- Equipe médica se deslocando de barco no rio Xingu para trabalhar numa aldeia indígena. No primeiro plano estou eu, ao meu lado Prof. Mauro Morais, na ocasião ainda estudante de medicina, e mais atrás Prof. Baruzzi.

Figura 2- Desembarque da equipe médica em uma praia do rio Xingu para iniciar a caminhada em direção a uma aldeia.

Figura 2- Desembarque da equipe médica em uma praia do rio Xingu para iniciar a caminhada em direção a uma aldeia.

Ao final deste período haviam sido avaliadas 175 crianças, 97 do sexo masculino, com idade estimada igual ou inferior a 5 anos, pertencentes às tribos indígenas do Alto Xingu.

Figura 3- Caminhada pela trilha aberta na mata tendo à frente Prof. Wagner Silvestrini.

Figura 3- Caminhada pela trilha aberta na mata tendo à frente Prof. Wagner Silvestrini.

Figura 4- Nossa equipe de trabalho acompanhada de alguns índios com o material de avaliação nutricional.

Figura 4- Nossa equipe de trabalho acompanhada de alguns índios com o material de avaliação nutricional.

Figura 5- Uma parada na trilha para uma foto.

Figura 5- Uma parada na trilha para uma foto.

A avaliação da idade limite para inclusão na avaliação do estado nutricional foi realizada por meio do exame clínico da criança e do exame da arcada dentária, este último executado por odontólogo. Uma vez estabelecida a população a ser incluída no estudo não mais se utilizou a variável idade.

Figura 6a- Equipe médica atravessando uma pinguela.

Figura 6a- Equipe médica atravessando uma pinguela.

Figura 6b- Equipe médica atravessando uma pinguela.

Figura 6b- Equipe médica atravessando uma pinguela.

Figura 7- A- Chegada à aldeia Coicuro.

Figura 7- A- Chegada à aldeia Coicuro.

Figura 7-B- Nossa equipe com as crianças da aldeia.

Figura 7-B- Nossa equipe com as crianças da aldeia.

Figura 8- Fazendo ciência com técnica rústica adaptada ao trabalho de campo. Medindo a estatura.

Figura 8- Fazendo ciência com técnica rústica adaptada ao trabalho de campo. Medindo a estatura.

Figura 9- Medindo o perímetro torácico.

Figura 9- Medindo o perímetro torácico.

Tratou-se sempre, em cada ano do trabalho de campo, de incluir o maior número possível de crianças de cada tribo pertencente ao grupo etário pré-determinado. Para tanto, não somente foi solicitado o comparecimento dos índios ao Posto Leonardo (Figuras 11-12), como também a equipe médica realizou diversos deslocamentos até as aldeias. Em cada etapa do trabalho procurou-se não apenas incluir as crianças já avaliadas no ano anterior, mas também, aquelas nascidas nos 12 meses precedentes, bem como todas as crianças maiores de 1 ano e menores de 5 anos que, por quaisquer razões, não haviam sido examinadas no ano precedente. Tal procedimento possibilitou estabelecer uma análise transversal, correspondente a cada ano, identificando, em cada etapa do trabalho, um grupo de crianças que não havia sido incluído no ano ou nos anos precedentes. Ao mesmo tempo, tornou possível obter, ao final do estudo, uma avaliação longitudinal de um grupo de crianças.

Figura 10- Aproveitando o fim de tarde em uma praia do rio Koluene, afluente do rio Xingu.

Figura 10- Aproveitando o fim de tarde em uma praia do rio Koluene, afluente do rio Xingu.

Figura 11- Acampamento dos índios no Posto Leonardo.

Figura 11- Acampamento dos índios no Posto Leonardo.

Figura 12- Acampamento dos índios no Posto Leonardo à noite, aquecidos pelas fogueiras.

Figura 12- Acampamento dos índios no Posto Leonardo à noite, aquecidos pelas fogueiras.

Estudo Transversal

1974 – 79 crianças, 43 do sexo masculino; 1975 – 45 crianças, 27 do sexo masculino; 1976 – 51 crianças, 27 do sexo masculino.

Total: 175 crianças.

Estudo Longitudinal

3 anos consecutivos: 53 crianças, 26 do sexo masculino; 2 anos consecutivos: 46 crianças, 26 do sexo masculino; 2 anos alternados: 9 crianças, 7 do sexo masculino.
Total: 108 crianças.

13.4- Métodos

1- Identificação da criança

Foi feita levando-se em conta a aldeia em que residia, a oca em que morava, os nomes do pai e da mãe e também foi criado um número de registro gral, sua origem tribal, o nome que recebia da mãe e do pai. Para maior facilidade de identificação posterior a ficha incluía uma fotografia da criança, a qual era obtida no momento em que ela era incluída no estudo (Figura 13).

Figura 13- Identificação das crianças incluídas no estudo.

Figura 13- Identificação das crianças incluídas no estudo.

Figura 14- Exame físico de uma criança indígena no trabalho de campo.

Figura 14- Exame físico de uma criança indígena no trabalho de campo.

Figura 15- Determinação da estatura.

Figura 15- Determinação da estatura.

Figura 16a- Determinação do peso.

Figura 16a- Determinação do peso.

2- Exame Físico

Toda criança foi submetida a detalhado exame físico visando detectar anormalidades clínicas, e em especial, algum sinal ou sinais que denotassem carências nutricionais específicas ou não (Figura 14).

Considerando-se que malária é endêmica na região, especial atenção foi dada para os achados de esplenomegalia, por meio da determinação do índice esplênico.
3- Medidas Antropométricas

Foram obtidos os valores do Peso, Estatura, Perímetro Cefálico, Perímetro Torácico e Prega Cutânea (Figuras 15-16-17-18-19-20).

4- Sangue

Foram obtidas amostras de sangue para a realização do Hematócrito.

5- Fezes

Amostras de fezes foram coletadas para pesquisa de protozoários e helmintos.

Figura 16b- Determinação do peso.

Figura 16b- Determinação do peso.

Figura 17- Determinação do perímetro cefálico.

Figura 17- Determinação do perímetro cefálico.

Figura 18- Determinação do perímetro torácico.

Figura 18- Determinação do perímetro torácico.

Figura 19a- Determinação da prega cutânea.

Figura 19a- Determinação da prega cutânea.

Figura 19b- Determinação da prega cutânea.

Figura 19b- Determinação da prega cutânea.

Figura 20- Momento de trabalho de campo na aldeia Uaura.

Figura 20- Momento de trabalho de campo na aldeia Uaura.

13.5- Resultados

Exame Clínico

Considerando-se os 336 exames clínicos realizados não foram evidenciados sinais de desnutrição proteico-calórica grave. Manifestações de desnutrição proteico-calórica leve foram observadas em apenas 3 crianças. Uma delas apresentava dermatite seborreica e as outras duas, estomatite angular.

Intercorrências independentes do estado nutricional foram caracterizadas em algumas ocasiões, tais como: conjuntivite purulenta em 3 crianças, escabiose em 2 e prolapso retal em 1. Quadro agudo de malária foi diagnosticado em 6 crianças.
Esplenomegalia foi o achado propedêutico mais frequente na população estudada. Em 185 (55%) dos exames clínicos realizados encontrou-se baço palpável, cuja distribuição de acordo com o índice esplênico está disposta na Tabela 1.

Tabela 1- Valores dos índices esplênicos detectados ao exame clínico das crianças índias estudadas.

Tabela 1- Valores dos índices esplênicos detectados ao exame clínico das crianças índias estudadas.

Avaliação do Estado Nutricional

Os resultados da avaliação do estado nutricional das crianças em cada ano do projeto de pesquisa estão disponíveis na Tabela 2. A análise dos resultados do estudo antropométrico realizado em cada etapa do trabalho de campo permitiu afirmar que a prevalência de desnutrição proteico-calórica entre as crianças índias da região do Alto Xingu, supostamente menores de 5 anos de idade, é baixa.

Tabela 2- Avaliação do estado nutricional das crianças índias em cada ano do estudo.

Tabela 2- Avaliação do estado nutricional das crianças índias em cada ano do estudo.

A aplicação do índice peso-estatura revelou que 96,1% em 1974, 95,5% em 1975 e 96,1% em 1976 das crianças foram classificadas como Eutróficas (Figuras 21-22).

Figura 21- Aspectos físicos das crianças índias estudadas, denotando um nítido padrão de eutrofia em diferentes idades.

Figura 21- Aspectos físicos das crianças índias estudadas, denotando um nítido padrão de eutrofia em diferentes idades.

Figura 22- Aspectos físicos das crianças índias estudadas, denotando um nítido padrão de eutrofia em diferentes idades.

Figura 22- Aspectos físicos das crianças índias estudadas, denotando um nítido padrão de eutrofia em diferentes idades.

Os poucos casos de desnutrição proteico-calórica, em nenhum dos anos do estudo, superaram a taxa de 5,0%, e todos eles encontravam-se de intensidade leve.

Análises laboratoriais

1-Sangue

Foram realizadas as determinações do Hematócrito, cujos valores variaram de 25% a 40% apresentando a média de 33,4%.
Eletroforese das proteínas séricas foi realizada em 104 crianças em 1974, e os valores das proteínas totais variaram de 5,2g% a 8,3g%, com valor médio de 7,1g%. A fração Albumina apresentou valores que variaram de 2,6g% a 4,2g%, e o valor médio foi de 3,4g%. Em 1975 foi realizada eletroforese das proteínas em 48 crianças, e os valores totais variaram de 5,5g% a 8,2g%, com média de 7,3g%; a fração Albumina variou de 2,8g%a 4,4g%, e a média foi de 3,5g% (Tabela 3).

Tabela 3- Valores médios e respectivos desvios-padrão das dosagens das proteínas séricas das crianças índias estudadas.

Tabela 3- Valores médios e respectivos desvios-padrão das dosagens das proteínas séricas das crianças índias estudadas.

2- Fezes

Foram realizados exames de fezes para pesquisa de helmintos e protozoários em 40 crianças. Em apenas 8 delas a pesquisa resultou negativa enquanto que nas outras 32 (80%) foram detectados parasitas intestinais cuja distribuição encontra-se discriminada nas Tabelas 4 & 5.

Tabela 4- Prevalência de helmintos encontrados nas fezes das crianças índias estudadas.

Tabela 4- Prevalência de helmintos encontrados nas fezes das crianças índias estudadas.

Tabela 5- Prevalência de protozoários identificados nas fezes das crianças índias estudadas.

Tabela 5- Prevalência de protozoários identificados nas fezes das crianças índias estudadas.

13.6- Conclusões

A elaboração prévia de um detalhado programa de ação para ser desenvolvido no campo deve ser o ponto de partida de qualquer projeto de pesquisa para que, na prática, sua execução possa alcançar o êxito desejado. Especificamente, no caso do presente trabalho de campo que visava estudar o maior número possível de crianças, a escolha da época do ano teve uma função estratégica do mais alto valor, pois devido ser o mês de julho período de seca, as condições climáticas facilitaram as atividades práticas da equipe de saúde, tanto no que se refere a vinda das tribos ao Posto Leonardo quanto ao próprio deslocamento da equipe de saúde às aldeias, seja por via fluvial e/ou terrestre (Figura 23).

Figura 23- Uma visão do rio Xingu durante um deslocamento da equipe de saúde por via fluvial.

Figura 23- Uma visão do rio Xingu durante um deslocamento da equipe de saúde por via fluvial.

Durante o período das chuvas (outubro a abril) estas atividades estariam altamente prejudicadas, posto que usualmente chove torrencialmente todos os dias e, por esta razão, os deslocamentos seriam quase que impraticáveis (Figura 24).

Figura 24- Visão da trilha que liga o Posto Leonardo a uma aldeia em uma época de chuvas na região.

Figura 24- Visão da trilha que liga o Posto Leonardo a uma aldeia em uma época de chuvas na região.

Os vários deslocamentos realizados pela equipe de saúde dentro do PIX, em visita às aldeias, possibilitaram o levantamento de toda a população infantil que potencialmente poderia ser incluída no estudo, e, em cada ano, pelo menos dois deslocamentos internos foram realizados. As aldeias mais próximas e de acesso fácil (Iaualapiti e Camaiura) foram visitadas todos os anos. Deslocamentos mais longos, a partir do Posto Leonardo, foram realizados para visitar outras aldeias, tais como, Cuicuro, Matipu, Nafuqua.

Em resumo, o trabalho assim desenvolvido possibilitou a elaboração de um estudo transversal de avaliação do estado nutricional das crianças representado por cortes anuais, e, ao mesmo tempo, propiciou o estudo longitudinal que permitiu determinar o ritmo de crescimento das crianças índias.

Os inquéritos nutricionais que se destinam a estudar uma determinada comunidade baseiam-se, via de regra, na escolha de uma amostra populacional. Uma vez respeitados os critérios científicos para a constituição da amostragem, os resultados podem ser, de forma válida, extrapolados para a população em questão.

Em se tratando de populações indígenas, defronta-se desde o início, com o obstáculo decorrente do pequeno número de indivíduos pertencentes a estas comunidades. Este é o caso específico das inúmeras comunidades indígenas brasileiras, sobre as quais escassas informações, de real valor científico, a respeito das suas condições nutricionais, encontram-se disponíveis na literatura. A necessidade de se conhecer aspectos mais detalhados em relação ao estado nutricional destes grupamentos populacionais nativos remanescentes torna-se prioritário, pois, se em passado não muito remoto contavam-se aos milhões e chegavam a ocupar parcela significativa do território brasileiro, na atualidade encontram-se reduzidos a alguns parcos núcleos residuais empurrados para um nítido e dramático processo de diminuição populacional (Tabela 6).

Tabela 6- Variação da população indígena do PIX desde 1963, início da constituição do parque, até mais recentemente, demonstrando um significativo aumento da mesma a partir da proteção oferecida contra as frentes de ocupação da nossa sociedade.

Tabela 6- Variação da população indígena do PIX desde 1963, início da constituição do parque, até mais recentemente, demonstrando um significativo aumento da mesma a partir da proteção oferecida contra as frentes de ocupação da nossa sociedade.

Para superar a barreira da possível falta de uma amostragem populacional significativa decidiu-se incluir no estudo o maior número de crianças que potencialmente se encontravam dentro dos critérios de inclusão previamente estabelecidos. O objetivo foi plenamente alcançado, visto que foi estudada a quase totalidade das crianças da região do Alto Xingu com idade estimada igual ou inferior a 5 anos.

Inúmeros ensinamentos práticos puderam ser obtidos desta civilização chamada de cultura primitiva, os quais merecem ser comentados. A prática, em escala universal, do aleitamento natural exclusivo e por tempo prolongado, representa, sem dúvida alguma, um dos principais fatores para contribuir com o estado de eutrofia vigente entre as crianças índias, apesar dos múltiplos problemas de ordem ambiental, tais como a malária e a parasitose intestinal endêmicas (Figura 25).

Figura 25- Aleitamento natural exclusivo de forma prolongada é universal nesta civilização.

Figura 25- Aleitamento natural exclusivo de forma prolongada é universal nesta civilização.

Outro aspecto a ser ressaltado é a utilização racional e equilibrada dos recursos naturais, o qual é de suma importância para a manutenção de um estado nutricional adequado. No Alto Xingu, a dieta, apesar de ser monótona, proporciona quantidades suficientes de proteínas e gorduras de altas qualidades, fornecidas pelo peixe que é abundante na região (Figuras 26-27), a mandioca como fonte de carboidrato e as frutas silvestres como fonte de vitaminas, em especial o pequi, este último altamente rico em vitamina A (Figura 28).

Figura 26- Peixes sendo assados diretamente sobre a fogueira.

Figura 26- Peixes sendo assados diretamente sobre a fogueira.

Figura 27- Beiju da mandioca sendo assado para depois ser ingerido juntamente com o peixe.

Figura 27- Beiju da mandioca sendo assado para depois ser ingerido juntamente com o peixe.

Figura 28- Crianças índias Uaura observando cestas de pequi que são estocadas submersas nas águas do lago próximas à aldeia, e, cujo fruto é consumido de acordo com a necessidade individual.

Figura 28- Crianças índias Uaura observando cestas de pequi que são estocadas submersas nas águas do lago próximas à aldeia, e, cujo fruto é consumido de acordo com a necessidade individual.

Na sociedade indígena a disponibilidade de alimentos é universal, posto que não existe estratificação socioeconômica, não há valores pecuniários e todos os indivíduos de uma determinada aldeia têm os mesmos deveres e direitos, os quais são norteados por critérios de convivência que foram acordados entre eles e que se consagraram pela prática, para possibilitar a perpetuação da espécie ao longo dos muitos séculos de existência na área.

Este trabalho foi apresentado sob a forma de tese de Doutorado ao Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina, em abril de 1977, tendo sido aprovado com nota 10,0 (Dez) pelos 5 examinadores de reconhecida competência científica, oriundos das mais prestigiosas universidades brasileiras.

Como preâmbulo da minha tese, após ter vivido esta experiência única e indescritível, fiz a seguinte reflexão em relação à civilização que tanto me ensinou: “O ÍNDIO NÃO ESPEERA A NOSSA CARIDADE E MUITO MENOS QUE NOSSA CIVILIZAÇÃO SE APIADE DE SUA ATUAL CONDIÇÃO. DESEJA APENAS SEJAM RESPEITADAS SUA CULTURA, TRADIÇÃO E DIREITOS. AINDA É TEMPO DE AJUDAR A CORRIGIR UM GRAVE ERRO HISTÓRICO COMETIDO PELOS NOSSOS ANCESTRAIS, QUE NA ÂNSIA DE CONQUISTAR UM NOVO MUNDO, ESQUECERAM-SE DE OBSERVAR ALGUMAS LEIS DA ÉTICA HUMANA”.

Fiz também a seguinte dedicatória: “A MEUS FILHOS ULYSSES, JULIANA E MARINA QUE PEERDOEM A AUSÊNCIA, MAS QUE NO FUTURO SAIBAM QUE SEU PAI LUTOU POR UMA CAUSA JUSTA”.

Posteriormente, versões simplificadas e abordando aspectos diversos deste trabalho foram publicadas nas seguintes revistas científicas: 1- American Journal of Clinical Nutrition 34:2220-2235,1981 “Observations of the Alto Xingu with special reference to nutritional evaluation in children” sendo autores: Fagundes-Neto U., Baruzzi RG., Wehba J., Silvestrini WS., Morais MB & Cainelli M. 2- Jornal de Pediatria 50:179-82,1981 “Avaliação nutricional das crianças índias do Alto Xingu” sendo autores: Fagundes-Neto U., Baruzzi RG., Wehba J., Silvestrini WS., Morais MB & Cainelli M.

A pergunta que permanece no ar e que não quer calar é saber se este estado de coisas ainda persiste nesta comunidade, posto que este trabalho foi realizado há mais de 30 anos? Alguma resposta pode ser dada de imediato, porque este trabalho com a mesma metodologia seguiu-se até 1980, e as condições nutricionais das crianças índias permaneceram praticamente inalteradas (Tabela 7).

Tabela 7- Evolução da avaliação do estado nutricional das crianças índias ao longo dos anos desde 1974 até 1980.

Tabela 7- Evolução da avaliação do estado nutricional das crianças índias ao longo dos anos desde 1974 até 1980.

E depois? Outro trabalho já no século XXI, em 2001, utilizando a mesma metodologia e incorporando a impedância bioelétrica, foi realizado. Pela primeira vez na nossa Instituição pai e filho estavam trabalhando juntos no PIX (Figuras 29-30-31-32-33). Este foi o trabalho de tese de Mestrado de Ulysses Fagundes.

Figura 29- Uly e eu às margens do lago do Ipavu na aldeia Camaiura.

Figura 29- Uly e eu às margens do lago do Ipavu na aldeia Camaiura.

Figura 30- Uly e eu no barco navegando no rio Tuatuari.

Figura 30- Uly e eu no barco navegando no rio Tuatuari.

Figura 31- A equipe de trabalho em plena ação obtendo os dados antropométricos das crianças índias.

Figura 31- A equipe de trabalho em plena ação obtendo os dados antropométricos das crianças índias.

Figura 32- Uly incluindo um lactente índio em seu estudo.

Figura 32- Uly incluindo um lactente índio em seu estudo.

Figura 34- O reencontro, depois de longo tempo, com o grande pajé Tacuman e seu filho Cocoti.

Figura 33- O reencontro, depois de longo tempo, com o grande pajé Tacuman e seu filho Cocoti.

Os resultados ratificaram plenamente o excelente estado de eutrofia das crianças índias. O trabalho de Tese de Mestrado foi apresentado ao programa de Pos-Graduação do Departamento de Pediatria da EPM e aprovado com louvor. Posteriormente foi publicado no Jornal de Pediatria.2004;80:483-89, inclusive merecendo um Editorial.

Ulysses Fagundes nos agradecimentos da sua Tese de Mestrado, a mim dedicou as seguintes linhas: ”AO PROF. DR. ULYSSSES FAGUNDES NETO, MEU MESTRE NA VIDA, PELO APOIO E ESTÍMULO DESDE O PROJETO PILOTO, PELA REVISÃO DO TRABALHO E POR ME TER PROPORCIONADO CONHECER O XINGU DESDE O MEU NASCIMENTO, COM QUEM TIVE O PRAZER DE LÁ ESTAR, O QUE NOS PROPORCIONOU UMA EMOÇÃO, QUE, QUEM SABE, SÓ NOS PODEREMOS ENTENDER”.

UM ALERTA QUE VALE A PENA SER LEVADO A SÉRIO
No final da década de 1990, em uma das minhas idas a Nova Iorque, decidi visitar o lendário teatro Carnnigie Hall. Por coincidência, neste dia, havia o anúncio de uma apresentação do famoso cantor pop Sting; junto ao anúncio havia também um grande poster escrito em inglês subscrito pelo chefe Caiapó Raoni, pois Sting é um fervoroso defensor da causa indígena e grande amigo de Raoni. Quando vi o poster, imediatamente copiei-o traduzido para o português e que abaixo está literalmente transcrito.

Após todas essas aventuras que duraram alguns anos à espera do próximo mergulho ao desconhecido, agora é chegado o tempo de Nova Iorque.